quinta-feira, 16 de junho de 2011

HIERARQUIA DAS LEIS

NOÇÕES


A identificação de hierarquia vertical entre as diversas espécies normativas é um dos temas objeto de grande controvérsia entre os constitucionalistas brasileiros.

Existe hierarquia entre normas constitucionais originárias (oriundas do poder constituinte originário) e normas constitucionais derivadas, resultantes de reforma constitucional? A lei complementar, em razão de ser aprovada por maioria absoluta, é superior hierarquicamente à lei ordinária? Existe relação hierárquica entre uma lei ordinária e uma resolução do Congresso Nacional? Existe relação hierárquica entre lei federal, estadual e municipal? Essas são apenas algumas indagações que freqüentemente me são feitas em sala de aula e que tentarei clarear a seguir.

É sabido que a Constituição da República é do tipo rígida, pois requer para sua modificação processo especial e mais dificultoso do que aquele exigido para a elaboração das leis. A rigidez, por sua vez, tem como decorrência imediata o chamado princípio da supremacia da Constituição: se as normas constitucionais são elaboradas mediante procedimento mais dificultoso do que aquele das demais leis, isso significa que a Constituição está em um patamar de superioridade em relação a estas. Logo, todas as demais normas devem obediência aos ditames e princípios constitucionais, sob pena de incorrerem no vício de inconstitucionalidade.

Portanto, no que se refere à relação hierárquica entre a Constituição e as demais normas infraconstitucionais não há divergências: vigora o princípio da supremacia da Constituição, segundo o qual as normas Constitucionais, obra do poder constituinte originário, estão num patamar de superioridade em relação as demais leis, servindo de fundamento de validade para estas.

O ART. 59 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Reza o art. 59 da Constituição Federal: O processo legislativo compreende a elaboração de

I - emendas à Constituição;

II - leis complementares;

III - leis ordinárias;

IV - leis delegadas;

V - medidas provisórias;

VI - decretos legislativos;

VII - resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis."

Esse dispositivo constitucional pode levar o leitor, num primeiro momento, à idéia de que ele estabelece em seus incisos uma hierarquia vertical entre as espécies normativas: as emendas à Constituição seriam superiores hierarquicamente às leis complementares, que por sua vez seriam superiores às leis ordinárias, que seriam superiores às leis delegadas, que seriam superiores às medidas provisórias, que seriam superiores aos decretos legislativos que, finalmente, estariam num patamar de superioridade em relação as resoluções.

Em verdade, o art. 59 da Constituição não teve essa preocupação. Com exceção das emendas à Constituição, todas as demais normas se situam no mesmo plano hierárquico. Leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções são espécies normativas primárias, isto é, que retiram seu fundamento de validade diretamente da Constituição. O que as distingue uma das outras são alguns aspectos no processo de sua elaboração e o campo de atuação de cada uma delas. Desrespeitados o processo de elaboração ou o campo de atuação, haverá inconstitucionalidade formal.

Trata-se, portanto, de área de atuação distinta – e não de relação hierárquica. Cada uma das espécies tem o seu campo de atuação específico, que não pode ser invadido por outra.

Os conflitos entre essas espécies normativas são sempre por invasão de competência de uma pela outra – não há falar em hierarquia. Por isso, a solução do conflito será sempre em face da Constituição: se uma espécie invadir o campo de atuação de outra incorrerá em inconstitucionalidade, por ofensa direta à Constituição (pois esta estabeleceu campo próprio de atuação para cada uma delas).

Assim, se a Constituição exige para o trato de determinada matéria uma espécie legislativa primária, esta não pode ser validamente substituída por outra. Mas isso não se deve à existência de hierarquia entre elas, e sim, em virtude de possuírem campo específico de atuação, à invasão de competência.


ESPÉCIES NORMATIVAS PRIMÁRIAS

De relevo notar que o art. 59 da Carta só enumera as chamadas espécies normativas primárias, isto é, que retiram seu fundamento de validade diretamente do texto constitucional.

Exatamente por isso - todas têm seu fundamento de validade haurido diretamente da Constituição - não se pode falar em hierarquia vertical entre as espécies normativas ali elencadas. Isso porque, para a melhor doutrina, a noção de hierarquia traz implícita a idéia de fundamento de validade. Enfim, uma lei é hierarquicamente inferior à Constituição por que tem o seu fundamento de validade retirado do texto constitucional. Não traz referido artigo qualquer menção aos chamados atos normativos secundários.

As espécies normativas secundárias têm a sua validade subordinada aos comandos de outra espécie normativa, não retiram diretamente da Constituição esse fundamento. Assim, um decreto do Presidente da República é uma espécie normativa secundária, pois não tem seu fundamento de validade haurido diretamente da Constituição. O decreto do Executivo, por forca do art. 84 da Constituição, tem função de regulamentar as leis, explicitando seus comandos, facilitando a sua aplicação. Logo, seu fundamento de validade é a lei por ele regulamentada: caso o decreto extravase os ditames da lei incorrerá em ilegalidade.


Um comentário:

  1. http://www.pontodosconcursos.com.br/artigos3.asp?prof=3&art=610&idpag=37


    Vejamos dois exemplos que auxiliarão no entendimento.

    Exemplo 1: A Constituição Federal exige resolução do Senado Federal para a fixação das alíquotas do ICMS nas operações interestaduais e de exportação (CF, art. 155, § 2º, IV).

    Significa dizer que para cuidar dessa matéria – fixação de alíquota do ICMS nas operações interestaduais e de exportação – a Constituição EXIGE o instrumento “resolução do Senado Federal”. Caso tais alíquotas sejam fixadas mediante lei ordinária, ou mesmo por lei complementar, haverá inconstitucionalidade formal, em razão de invasão (indevida) do campo de atuação da resolução do Senado por lei.

    Anote-se que, a princípio, poder-se-ia argumentar o seguinte: ora, a resolução do Senado Federal é aprovada apenas pelos Senadores, enquanto as leis são aprovadas por estes e pela Câmara dos Deputados; logo, a lei representaria um plus em relação a resolução, e, como tal, poderia substituí-la legitimamente. Enfim, a lei, tendo um processo legislativo mais complexo do que a resolução, não poderia cuidar da matéria reservada a esta espécie legislativa?

    A resposta é NÃO. Se a Constituição exige resolução, esta a espécie normativa que deve regular a matéria.

    Aliás, nesse exemplo fica fácil entender os motivos da outorga dessa competência ao Senado Federal, senão vejamos.

    O ICMS é um imposto de competência dos Estados-membros. Ora, qual a Casa Legislativa que representa os Estados-membros, com o mesmo número de representantes, garantindo assim o equilíbrio federativo? O Senado Federal, nos termos expressos do art. 46 da Constituição Federal. Em relação a essa matéria, portanto, houve por bem o legislador constituinte deixá-la no âmbito da competência do Senado, excluindo a participação da Câmara dos Deputados no processo legislativo (por isso optou pela resolução do Senado, e não por lei).

    Exemplo 2: A Constituição estatui, no seu art. 68, a possibilidade de delegação legislativa, vale dizer, a possibilidade de o Congresso Nacional delegar competência para que o Presidente da República elabore as chamadas leis delegadas.

    Trata-se, como se sabe, de uma das mais expressivas exceções ao princípio da divisão dos Poderes, em que o Executivo substitui o Legislativo na chamada função legislativa. Outra exceção, de mesma envergadura, é a possibilidade de o Presidente da República editar medidas provisórias, com força de lei, nos termos do art. 62 da Carta.

    Observa-se, porém, que o constituinte exige que a delegação seja efetivada mediante RESOLUÇÃO do Congresso Nacional. Em outras palavras: houve por bem o legislador reservar esse campo de atuação para a espécie normativa RESOLUÇÃO.

    Novamente a mesma indagação: não poderia o Congresso Nacional substituir a espécie RESOLUÇÃO, efetivando a delegação ao Presidente da República por meio de uma lei aprovada pelas duas Casas Legislativas?

    Não. Haveria inconstitucionalidade formal, por invasão do campo de atuação da resolução por uma lei. Aliás, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é mansa nesse sentido (ADIn 1296-7).

    Portanto, embora seja amplo e residual o campo de atuação da lei ordinária, é certo que essa espécie legislativa não pode tratar de qualquer matéria, devendo ser retiradas de sua competência aquelas matérias constitucionalmente reservadas à lei complementar, bem assim aquelas de competência exclusiva do Congresso Nacional (CF, art. 49), as privativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (CF, arts. 51 e 52), pertencentes ao âmbito de atuação dos decretos legislativos e das resoluções.

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